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Quem dera a saudade te trouxesse de volta. |
Nesta semana, finalmente, minha tia conseguiu vender a casa em que meu
tio cometeu suicídio. Não havia outra opção. Era doloroso demais estar naquele
lugar, repleto das mais bonitas lembranças, e também da pior de nossas vidas.
Alguns móveis, que ainda estavam lá, vieram para minha casa. O acordo
era que ficaríamos com os que nos servissem de alguma forma, e o outro
levaríamos para a casa da nossa família, no interior de Minas.
Cheguei em casa hoje e me deparei com tudo isso, e as lembranças não
puderam deixar de vir. Fiquei com um cabideiro simples, desses onde se penduram
chapéus, casacos e bolsas.
Quando disse que ficaria com ele, não havia me dado conta de toda a
bagagem que isto iria trazer. Cá estou eu, às quatro da manhã, sem saber como
tirar da minha mente as lembranças e a saudade, que não me deixam dormir e nem
superar.
Faz quase dois anos, mas ainda não acredito que ele partiu. Às vezes
me pego pensando em passar na casa deles para ver se ele se sentia melhor. E aí
eu me lembro de que ele não estará lá para me responder. E tudo que eu iria
encontrar é a hostilidade de uma pessoa que se viu sozinha, quando pensou que
jamais estaria.
Eu sei que chorei mais do que sabia que era capaz quando ele partiu.
Senti como se parte de mim estivesse sendo enterrada também. E, de fato,
estava.
Naquele dia deixei para trás toda uma vida que havíamos construído em
sonhos. Adorávamos falar sobre o futuro. A cada passeio, nutríamos um pouco
mais os sonhos. Ele sonhava em estar presente neste nosso futuro. “A vida seria
linda.” Ele acreditava nisso mais do que todos nós.
Não acreditava na seriedade de uma depressão até essa doença lhe tirar
o que havia de melhor. De todos que poderiam ousar pensar em tirar a própria
vida, ele era o mais improvável. Por que alguém que amava tanto viver, que se
satisfazia com felicidades puras e simples, que sorria sem esforço algum, por
que alguém tão positivo entra em um estado depressivo tão sério a ponto de
precisar pôr um fim ao sofrimento desta forma tão drástica.
Amigos psicólogos, psiquiatras ou pessoas entendidas podem continuar
tentando me explicar, mas jamais aceitarei este fato. A pessoa que se pendurou
pelo pescoço e sufocou até a morte não era o homem que eu chamei de tio por
toda a minha vida. Ele jamais faria isso.
O homem que conheci, apesar de nunca ter sido pai, me tratou como uma
filha por toda a minha infância, me fez sentir especial e amada. O homem que me
levou pela mão em tantas manhãs quentes, nunca optaria por nos deixar.
Agora estou aqui, rodeada por móveis carregados de recordações, e até
o cheiro dele ainda está aqui. Não tenho certeza se quero ficar com este
cabideiro. Não tenho certeza se mantê-lo preso a mim é uma boa ideia.
De tudo que eu sou hoje, de todas as coisas boas que eu tenho em mim,
mais da metade foi ele quem me deu. Ele, sua generosidade e amor infinito, me
salvaram de ter uma vida triste baseada em ausências, para me dar uma vida
cheia de esperança e possibilidades.
No entanto, ele não ficou aqui para compartilhá-la comigo. No entanto,
ele se foi antes de ver o resultado de todo o trabalho que dei.
Como se supera uma perda tão terrível? Como se aceita e segue em
frente?
Sei que estou vivendo, mas esse vazio continua aqui. Eu pensei que,
com algum tempo, a dor deixaria de incomodar e somente a saudade viria de vez
em quando. Mas ainda dói, principalmente agora.
Como posso me conformar? Como posso deixa-lo partir?
Não tenho nem ideia de como terminar este texto. Isso foi um desabafo,
escrito devagar, em meio a espasmos e soluços de uma dor, que fica contida, mas
parece que nunca mais vai diminuir.
Sinto que aceitar que ele partiu é como desonrar tudo o que ele fez
por mim e tudo o que ele representou em minha vida. Não sei como terminar este
texto, assim como não sei o que fazer com toda essa dor.
Espero que me desculpem se soei dramática, mas esse é um dos poucos
momentos em que não exagerei a minha dor. Na verdade, creio que não consegui
expressá-la em sua totalidade.
A perda é a pior das angustias... E acho que nunca vou me acostumar.
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